quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mágica

Naquela tarde, um exame confirmou o que o coração já suspeitava: uma vida pulsava dentro de seu ventre. Pegou o envelope já aberto, guardou nele o exame e passou pela sala de espera onde estivera sentada até poucos minutos. Não sabia exatamente porque, mas nesse pequeno tempo que passou dentro do consultório, a sala de espera ficou diferente. Parecia um pouco menor, e mais quente. Teriam desligado o ar condicionado?

Ela chamou o elevador, que demorou meio minuto para chegar ao seu piso. Meio minuto, meu Deus! Quantos pensamentos lhe invadiram em tão pouco tempo! O coração batia depressa, anunciando o primeiro vestígio do turbilhão de emoções que ela já adivinhava. Arrepiou-se. Na garagem do prédio, entrou no carro, em silêncio. Ligou o som, mas não parou mais do que três segundos em nenhuma estação, e finalmente decidiu desligá-lo. Fechou os vidros, e se pôs a escutar apenas seus pensamentos, mas também eles estavam confusos como as músicas do rádio. Pensou como seria se pudesse desligar seus pensamentos assim como fez com o rádio, e riu de si mesma, achando-se estúpida por pensar tais coisas.

Dirigiu até o trabalho do marido, que já a aguardava ansioso. Antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa, ela lhe diz: “Deu positivo”. Ele a abraçou, emocionado, e disse muitas coisas, mas ela não escutou quase nada. Continuava absorta em seus loucos devaneios, e somente vez por outra discernia não mais do que frases soltas. Ele, eufórico, nem percebia a expressão vaga da esposa enquanto desfiava palavras entusiasmadas. Ela simplesmente sorria, alheia e plena.

Os colegas de trabalho de seu esposo abriram uma champagne; ela achou melhor não beber. Trouxeram-lhe uma água de coco, que foi colocada numa taça igual às de champagne para que o brinde fosse feito “apropriadamente”. Pensou como tudo aquilo era tolo, e sentiu vontade de explodir em uma gargalhada, mas controlou-se. Agradecia automaticamente aos que lhe davam os parabéns, certa de que deve ter respondido coisas sem sentido enquanto as pessoas faziam perguntas sobre o que ela sempre soube, mas agora havia esquecido. Não que não quisesse ter estado mais atenta ao mundo à sua volta, mas simplesmente não conseguia sair daquele lugarzinho mágico dentro de si mesma, onde agora se encontrava.

E mesmo que fosse capaz de sair dali, porque haveria de querer isso? Porque iria preferir escutar o burburinho ansioso da vida, quando poderia ser tomada nos braços por um calmo silêncio do universo que agora a habitava? Estava tranqüila, e sentia-se inteiramente abrigada naquele mundinho docemente louco que, de repente, despontou dentro dela. Não era exatamente um lugar desconhecido – na verdade lhe parecia estranhamente familiar. Talvez fosse apenas um lugar que ela há muito tempo não visitava, e nem poderia ser visitado por mais ninguém exceto ela mesma. E lá ela permaneceu o resto do dia, desfrutando de uma paz estranha e morna.

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